“Cabral tenta quebrar sigilo de manifestante por decreto” (24/7/13)
“Cabral revê decreto sobre sigilo de manifestante” (25/7/13)
“Dilma envia hoje sugestão de plebiscito” (2/7/13)
"Proposta de plebiscito é enterrada pela Câmara" (10/7/13)
“Formando de medicina terá de trabalhar dois anos no SUS” (9/7/13)
“Governo admite rever ampliação de curso de medicina” (25/7/13)
Esses são apenas alguns exemplos que acabaram indo parar nas primeiras páginas do jornal nos últimos dias.
Todos apresentam uma mesma característica: o projeto é apresentado (ou mesmo aprovado ou decretado) e depois precisa ser revisto porque não funciona por razões políticas ou técnicas. E todos são consequências de um mesmo problema: projetos mal pensados.
Elaborar o projeto de uma norma é como jogar xadrez com seus movimentos decididos por antecedência: a norma diz o que acontecerá em cada uma das possibilidades futuras e, se não disser, ela aceita as consequência. Algo como ‘se a pessoa fizer isso, a lei fará assim; se a pessoa fizer aquilo, a lei fará assado; e se a pessoa fizer de qualquer outra forma, a lei não está nem aí com isso’.
Mas para se ‘jogar xadrez’ dessa forma o jogador precisa ser muito bem preparado. Ele precisa ter a capacidade de imaginar todos os movimentos possíveis, suas variáveis e consequências. Afinal, ele está ditando agora quais serão seus movimentos, mas seus ‘adversários’ (as pessoas) só dirão quais serão seus movimentos no futuro.
Infelizmente, nem todos os nossos legisladores (ou chefes de Executivos federal, estaduais e municipais) são tão bem preparados política, técnica ou intelectualmente como deveriam. Às vezes apresentam bons projetos mas que carecem de apoio político dentro do parlamento; e às vezes apresentam projetos tecnicamente ruins que acabam aprovados. Alguns apresentam projetos na base do ‘se colar, colou’. Outras vezes é apenas factoide político: para mostrar que quem apresenta está ‘trabalhando’ e sabe ‘ouvir o clamor das ruas’. E outras vezes é pura cortina de fumaça: desviam a atenção para um assunto secundário (mas que gera consequências), enquanto se aprova ou decreta outra norma sobre outro assunto mais espinhoso em outro lugar, sem que ninguém note.
Convenhamos, nem todos nós prestamos atenção no que nossos parlamentares estão aprovando ou nossos presidentes, governadores e prefeitos estão decretando. Por isso é fácil para eles proporem, aprovarem ou decretarem normas que passam desapercebidas e acabam gerando efeitos absurdos. Às vezes, porque não entendem do que estão falando, às vezes de propósito, e às vezes por omissão.
Vale lembrar ainda que muitos dos projetos apresentados e aprovados não são elaborados pelos poderes públicos: são elaborados por interesses privados (eles chegam como anteprojetos), que, obviamente, não estão necessariamente interessados naquilo que é melhor para o país, mas naquilo que é de interesse de seus apoiadores, afiliados ou patrocinadores. E o mesmo ocorre com anteprojetos (ou 'meras ideias') apresentadas por órgãos do próprio Executivo. Daí a necessidade de nossos legisladores analisarem com cuidado quando recebem um anteprojeto de algum lobista, do Poder Executivo ou de quem quer que seja.
Abaixo um exemplo de como anteprojetos às vezes deixam de lado potenciais consequências relevantes:
“Ministério Público ignora gasto extra com novas cortes
O Ministério Público Federal (MPF) não tem estudos sobre o impacto financeiro para o órgão com a criação de quatro Tribunais Regionais Federais, que terão sede em Curitiba, Belo Horizonte, Salvador e Manaus (…)
‘A quase duplicação do número de TRFs provocará a necessidade de aumentos semelhantes em cargos do Ministério Público Federal e da Advocacia Geral da União (AGU), pois serão necessários profissionais dessas carreiras para atuar perante os novos tribunais’, afirma o advogado Gustavo Romano (…)
A previsão de maiores de gastos pelo MPF e pela AGU não é mencionada no anteprojeto do CJF. Não há referência sobre esse aspecto na nota técnica do Ipea ou na do Conselho Nacional da Justiça, ambas questionando a criação de tribunais.
‘Propor uma norma sem calcular seu custo ou as consequências de sua implantação demonstra ou total desleixo para com o dinheiro público ou absoluta ignorância a respeito de como as instituições brasileiras estão estruturadas’, diz Romano.” (Folha de S.Paulo, 8/7/13)
Ao que a Ajufe respondeu três dias depois no Painel do Leitor (11/7/13):
“Não caberia ao Conselho da Justiça Federal, ao elaborar anteprojeto de lei para a criação dos novos tribunais regionais federais (...) prever qualquer gasto com o Ministério Público Federal ou com a Advocacia-Geral da União. Isso porque se tratam de órgãos orçamentários distintos da estrutura da Justiça Federal. As afirmações atribuídas ao advogado Gustavo Romano denotam total desconhecimento de questões orçamentárias e da estrutura judiciária. Reduzir a criação dos novos tribunais a pretensões corporativas por novos cargos demonstra raciocínio simplista e equivocado e que não corresponde à verdade (Nino Oliveira Toldo, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil)
E as réplicas do jornalista Frederico Vasconcelos, que fez a reportagem: “A reportagem revela a falta de estudos sobre os custos indiretos, conta a ser paga pelo contribuinte, independentemente da fonte orçamentária. O texto não usou o termo corporativismo”; e Gustavo Romano, que foi entrevistado: “o juiz Nino Oliveira Toldo não diz que o que afirmei está factualmente errado ou que não há custos para o Ministério Público Federal e a Advocacia-Geral da União. Diz apenas que não era problema da Ajufe ou do Conselho da Justiça Federal. O problema é de todos. Do contribuinte, que paga a conta; do legislador, que deve analisar os projetos que lhe chegam; e dos magistrados, que devem zelar pela respeitabilidade da Justiça”.
PS: Aliás, já tocamos em outras consequências do assunto aqui. Em 2010: Menos reforma, mais inteligência. E em 2008: Poder regulatório x poder punitivo.